Depois de muito tempo sem escrever e conversando com minha comadre-psicóloga Fabiola Garuzzi, resolvi falar sobre um assunto um pouco diferente: os assuntos inacabados. Longe da definição mais religiosa que entende que na hora da morte temos que lidar com os assuntos que não resolvemos em vida, eu pretendo falar de um ponto de vista psicológico.

Os assuntos inacabados não recebem uma definição específica em psicologia, no entanto podemos entendê-los de diferentes maneiras como traumas, talvez comportamentos disfuncionais, ou ainda incidentes críticos. Enfim, os assuntos inacabados são eventos que marcam de uma maneira específica a nossa história de vida e de certo modo não têm um desfecho que gostaríamos, ou ainda pior não tem qualquer desfecho.

E porque falar então disso? Porque esses assuntos insistem em nos perseguir? Você mesmo agora já deve estar pensando em algumas coisas que gostaria de modificar na sua história de vida, fazer diferente, evitar algo, não dizer uma palavra ou ainda dizer algo, etc. Esses pequenos fantasmas do cotidiano vivem nos assombrando como marcas que constituem nossa própria existência. E mais, além disso, de um modo ou de outro, todos nós temos alguns desses assuntos, embora nem sempre gostemos de falar sobre isso, mas não é porque não falamos que eles não existem.

E você agora deve estar se perguntando, mas e o que fazer então? Acho que uma frase de Clarice Lispector responde muito bem a essa questão: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.” Isso é, nós nunca sabemos qual é o fantasma, trauma, incidente crítico, comportamento disfuncional, assunto inacabado que edifica quem nós somos. Nós somos um produto inacabado (no sentido de que estamos em constante transformação) de nossa história de vida, de nosso contexto social, de nossas relações com os outros, de nossa história genética e familiar, ou seja, um produto de tudo o que nós aconteceu e acontece.

Até mesmo os nossos defeitos e assuntos inacabados compõe quem nós somos. Ilude-se aquele que se acha perfeito, a perfeição não existe na realidade, apenas no plano das ideias. Ai você pode me perguntar, então devemos sofrer com os nossos fantasmas para sempre? Não necessariamente, mais importante do que fizeram conosco, ou do que aconteceu conosco, é o que nós fazemos com nós mesmos. Assim, o importante e útil é a forma como nós ressignificamos esses assuntos inacabados. O que quero dizer é que nós podemos modificar a forma como percebemos e lidamos com os nossos assuntos inacabados.  E a partir da mudança de foco sobre esse determinado evento, nós também modificamos nossos sentimentos, pensamentos e comportamentos com relação a eles.

Embora não consigamos voltar no tempo e mudar esses assuntos inacabados, é possível agir com o que temos e entender que esses assuntos podem ser encarados como obstáculos que nos paralisam, ou obstáculos que nós obrigam a saltá-los e ir cada vez mais longe. Não importa o que quer que seja (se achamos bom ou ruim) isso faz parte do que somos hoje e, portanto, se não fosse por essas coisas não seriamos quem somos.  Assim, melhor do que eliminar essas fontes estruturantes é utilizá-las a nosso favor, tente ver as coisas pelo outro lado, você pode se surpreender!