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Vou começar sem direção. Quero a liberdade de escrever sem direção, sem uma ideia central, um mote qualquer que me limite em um caminho único. Quero a multiplicidade da polissemia das palavras para escrever algo que não faço ideia do que quer seja. Escreverei apenas porque tenho a intensa vontade de escrever nesse exato momento. Não é uma escrita planejada, intencional ou direcionada, mas uma escrita que tem apenas a função de registrar pensamentos avulsos.

Aos poucos os caminhos se formam, os contornos se ressaltam, a especificidade se revela. Não, não quero a limitação do texto, mas é inevitável! Embora esse texto seja tão único e tão exclusivo é composto de tantos iguais que ao mesmo tempo em que é só meu é de todos também. E porque é meu e de todos é ao mesmo tempo de ninguém e em si carrega o que é e tudo aquilo que já foi, tudo o que nunca foi e o que ainda será.

Sem intenções! O texto começa a ganhar sua forma. Aliás, realmente tem alguma coisa que possa ser sem intenções? Existem cartas sem destinatários? As sementes se formam sem a intenção de serem árvores? Os rios correm sem a intenção de chegarem aos mares? Registrar pensamentos avulsos não era uma intenção?

Sem querer! Sem querer o estranho vira familiar. O novo vira velho quase sem querer. O tempo leva o velho que não se renova. O desconhecido vira o amigo, tudo quase sem querer. Sem querer a gente muda de gostos, a gente muda de rostos, a gente troca de postos. Sem querer o texto sem contorno, o texto sem qualquer intenção vira tão intencionado que perdeu sua razão. Ora, mas se tinha uma razão então tinha uma intenção?!

E quando duas opções confrontam a razão? Se escolher a direção não posso ter a razão, mas se escolho a razão então não posso ter a direção? Talvez não seja fácil seguir sem direção, mas mais difícil é tomar uma decisão. E se não fui eu quem escolheu nem a razão e nem a direção, mas elas que me escolheram? Escolheram ao acaso, mas será que existe acaso? Embora os encontros sejam ao acaso, a duração é intencional. Sem direção, ora ou outra se encontra um caminho, o que não tem nome ganha um, o que não é nada vira algum. Sem intenção o artigo/antigo uma vira a.

Como diria Clarice Lispector “perder-se também é um caminho”. Aliás, como diria Clarice “perder-se significa ir achando e nem saber o que fazer do que se for achando.” Talvez seja isso, vagando entre pensamentos sem uma direção, entre seguir sem caminho e escrever com intenções me lembrei de Laços de Família e recordei-me de Clarice. E no meio do caminho, não tinha uma pedra de Drummond, mas tinha uma frase de Clarice que resolvendo o dilema dizia que não importava seguir sem caminho, porque alguma coisa iria ser achada. E assim, sem intenção, sem caminho, sem razão, surgiu um texto. Um texto que já foi, que é, será?!