Na história da humanidade, os mitos e explicações mágicas foram fundamentais para explicar todos os fenômenos que os seres humanos não conseguiam explicar apenas por observação direta. Assim, ao ver um raio produzindo fogo os homens atribuíam esse fenômeno a uma entidade mágica como um deus, ninfa, espírito e outros. A mitologia greco-romana talvez seja a mais conhecida e que demonstre isso com maior clareza, existiam deusa do amor, deusa da sabedoria, deus da morte, deus dos mares e etc. Nas populações indígenas brasileiras existiam deuses da chuva, da coleta, dos trovões etc.
Com o avanço das ciências e das sociedades cada vez menos explicações mágicas e fantasiosas foram necessárias, uma vez que, as explicações para os fenômenos podiam ser encontradas no estudo dos próprios fenômenos e em suas interações com outros fenômenos. A invenção da escrita sem dúvida possibilitou grande parte desses avanços científicos ao possibilitar o registro das informações obtidas por outros. Desse modo, a escrita permitiu que novos cientistas não precisassem descobrir tudo de novo – reinventar a roda – mas, sim avançar sobre o já conhecido, como diria Sir Isaac Newton “Se vi mais longe foi por estar de pé sobre ombros de gigantes.”
Nesse sentido, Freud, por exemplo, se utilizou de mitos importantes (como o mito de Édipo) para explicar o psiquismo que até então, no século XIX, era uma coisa praticamente desconhecida. Essas explicações de Freud sobre o psiquismo, assim como no mito que se espelham, são também outros mitos por si mesmas. As hipóteses freudianas são importantes com marcos históricos assim como os mitos foram antes, mas no atual estado de ciências que estamos, as evidências produzidas pela Psicologia e áreas correlatas como as Neurociências possibilitam explicações menos míticas e mais científicas, ainda que não tenhamos todas as explicações.
A própria origem do termo Psicologia se baseia em um mito, já que Psiquê, em grego se refere à alma, borboleta, mas especificamente a personificação da alma e o sopro divino. Psico-logia seria, portanto, em sua origem etimológica o estudo da alma. Entenda-se que a crítica não é diretamente a Freud ou a Psicanálise, mas sim as explicações míticas na Psicologia. Não temos energia libidinal que rege o psiquismo, temos potenciais de ação que são energia elétrica. Não temos id, ego, superego, temos neurônios. A mente não é uma estrutura mágica ou de outra natureza, é simplesmente o funcionamento do cérebro, 1,5kg (média) de massa cinzenta e branca.
Outro exemplo de mito é uma frase comumente atribuída a Jung (embora eu não tenha certeza de que foi ele que falou) é “Todos nascemos originais e morremos cópias”, o mais apropriado, no atual conhecimento das ciências psicológicas seria basicamente o inverso “Todos nascemos cópias e morremos originais”. Explico, nós nascemos cópias do DNA de nossos pais, e mesmo assim já nascemos diferentes dos pais (portanto, não cópias exatas), porque somos, em grossos termos, a combinação do DNA dos dois (essa combinação é muito aleatória, assim existe muitas variações nas características que serão ou não manifestas).
No entanto, grande parte de nossos comportamentos e características quando adultos são aprendidas socialmente, são produto da ontogenia, não da filogenia, ou seja, são frutos da nossa própria experiência e não apenas das pré-programações dos genes. De tal modo, que mesmo gêmeos que nascem idênticos (cópias), terão muitas características físicas (cor de cabelo, tatuagens etc) ou psicológicas (idiomas que aprendeu, humor, experiências afetivas) que serão únicas e, portanto, originais quando adultos. Evidentemente que foram aprendidas por copiar os outros, mas não são cópias perfeitas, são apropriações (seleção de uns e rejeição de outros) de milhares de aspectos.
O que quero dizer é que é fundamental que fique claro que a Psicologia é, sobretudo, uma ciência e como tal se baseia no método científico de produção de conhecimento. Em outras palavras, a Psicologia (ou os psicólogos) fazem perguntas, criam métodos de investigação, produzem evidências replicáveis e comunicam a sociedade científica e a comunidade geral. Ressalto que não temos todas as explicações como nenhuma ciência tem (ainda?), mas também não precisamos mais, atualmente, de algumas explicações míticas/românticas, a não ser nos livros de história da psicologia. Não estou dizendo que temos que rejeitar as explicações do passado, mas sim que ao nos contentarmos apenas com as respostas míticas deixamos de lado as informações mais recentes e não avançamos.