Embora o desenvolvimento humano seja um contínuo, os primeiros anos de vida têm um papel crucial no desenvolvimento posterior. Desde os primeiros segundos em que a criança nasce até os dois anos de idade ela adquire uma série de habilidades e conhecimentos que serão a base para o seu desenvolvimento futuro. Essas aprendizagens precoces são o resultado de uma interação entre fatores genéticos e fatores ambientais – como os cuidados dispensados por sua família. Assim, muitos estudos de Psicologia têm ressaltado o importante papel das vivências e da estimulação ambiental precoce no desenvolvimento cognitivo. Quanto mais oportunidades de interação com o meio físico e social a criança tiver melhor será seu desenvolvimento cognitivo.

Como já discuti em outro artigo (veja aqui) toda aprendizagem implica em modificações no cérebro, assim o desenvolvimento cognitivo também depende de sua base no desenvolvimento cerebral. A alimentação é um dos primeiros cuidados que é dado a criança e um dos mais importantes para seu desenvolvimento saudável completo. Todo organismo necessita de fontes de energia para sobreviver e a alimentação é que fornece essa energia. Para que se tenha uma ideia da importância da alimentação, o cérebro consome cerca de 20 a 25% de toda a energia ingerida durante o dia. A alimentação, portanto, tem um papel crucial no desenvolvimento cognitivo saudável e deve ser uma preocupação desde o nascimento. Muitos estudos permitem afirmar que o aleitamento materno exclusivo nos primeiros meses de vida está associado com melhores desempenhos em medidas de Q.I. e de outras habilidades do funcionamento cognitivo (como a memória) posteriormente na infância e na adolescência. Esses resultados melhores inclusive superam os de crianças alimentadas exclusivamente com fórmulas e mamadeiras.

Em um estudo recém-publicado, Deoni e colegas (2013) demonstram que crianças que foram a amamentadas nos primeiros 3 meses de vida tiveram um maior desenvolvimento de substância branca cerebral quando comparadas as crianças que não foram amamentadas ou que foram amamentadas com leite materno e com fórmula.  Esses pesquisadores evidenciaram que as crianças que foram alimentadas com o leite materno exclusivamente e por mais tempo desenvolveram melhor a substância branca cerebral em áreas do cérebro que são associadas ao melhor desempenho em medidas cognitivas e comportamentais.

Embora os mecanismos subjacentes a estas diferenças estruturais ainda não estejam claros, os resultados de Deoni e colegas (2013) são importantes por fornecerem evidências sobre as vantagens da amamentação no desenvolvimento cerebral e cognitivo, e dão suporte para a hipótese de que componentes do leite materno promovem o crescimento saudável e o desenvolvimento neural da substância branca, tendo, por conseguinte um importante papel no desenvolvimento das habilidades cognitivas.

Aproveito para citar o importante trabalho desenvolvido pelo governo mexicano em parceria com o IMAF (Instituto Mexicano de Investigación de Familia y Población) sob a coordenação da Dra. Susan Pick (Universidad Nacional Autónoma de México – UNAM). A Dra. Pick é responsável por uma série de projetos psicossociais chamados “Yo quiero, yo puedo” e estou me referindo aqui em especial ao projeto “Yo quiero, yo puedo…darte pecho, jugar contigo y acostarte boca arriba” esse projeto é muito importante por promover orientações a médicos, pais e mães (incluindo muitas mães adolescentes) sobre a importância de amamentar os bebês, evitar que durmam de bruços (para evitar a morte súbita) e incentivar a estimulação precoce para promover o desenvolvimento cognitivo.

Milhões de pessoas se beneficiaram desse projeto que tem salvado muitas crianças na faixa dos 0 a 2 anos da morte súbita. Além disso, esse projeto contribuiu para estimular as mães a brincar com os seus bebês, o que é chamado de estimulação precoce. Essa estimulação contribui para que as crianças se desenvolvam em muitos aspectos tais como: desenvolvimento de coordenação motora, desenvolvimento da fala, melhora nas capacidades respiratória, digestiva e circulatória; melhora no desenvolvimento de aspectos cognitivos como percepção e memória; ampliação dos vínculos formados entre mães e filhos e etc.

Esses dados, em coerência com muitos outros estudos, apontam para a importância de que as mães sejam orientadas dos benefícios do aleitamento materno não só no que se refere aos aspectos de saúde e desenvolvimento de vínculos afetivos, mas também nos aspectos de desenvolvimento cognitivo. Desse modo, a amamentação deve ser considerada como um dos primeiros recursos que pode ser utilizado para favorecer o desenvolvimento saudável das crianças em todos os aspectos, tendo impactos inclusive, posteriormente, em sua aprendizagem na escola. Ressalto também a importância da estimulação precoce que contribui muito para que as crianças tenham diversos avanços em seu desenvolvimento cognitivo.

Referências

Deoni, S.C.L. Dean III, D.C., Piryatinksy, I., O’Muircheartaigh, J., Waskiewicz, N.,  Lehman, K., Han, M., & Dirks, H. (2013). Breastfeeding and early white matter development: A cross-sectional study. Neuroimage, http://dx.doi.org/10.1016/j.neuroimage.2013.05.090

Para saber mais sobre o IMAF, Instituto Mexicano de Investigación de Familia y Población veja o site http://www.yoquieroyopuedo.org.mx/