A atuação no mercado de trabalho conta cada vez mais com a participação de psicólogos e estudantes de psicologia que se identificam com a dinâmica do mundo empresarial. Assim, a Psicologia Organizacional e do Trabalho constitui-se como uma área bastante rica, além de detentora de um vasto potencial a ser explorado, englobando os diversos níveis de relação profissional dentro do universo corporativo.
No entanto, muitas vezes o próprio meio acadêmico “torce o nariz” para essa área, não a considerando como parte da psicologia e iniciando, assim, todo um processo de juízo de valor. Desse modo, o veredito sobre o tema conclama o preconceito a entrar em cena.
Recordo muito bem o meu primeiro semestre de faculdade, um ambiente extremamente fértil para o brotar de ideias, conhecimento, amizades e também a natural imaturidade profissional frente a uma nova fase de vida. Certo dia, uma querida professora deixou bem claro que não gostava da área organizacional e que não achava que “ali se fazia psicologia”. Considerando que na sala de aula havia mais de 40 alunos e que ela ensinava várias disciplinas nos 3 turnos da Universidade, imagina a repercussão que foi tal comentário entre os alunos!
Parecia haver o exército da desaprovação em relação a quem simpatizava ou atuava na referida área. Colegas que sequer conheciam o trabalho de um psicólogo em uma empresa emitiam opiniões e reações bastante ofensivas. E alguns agiram assim por todo o desenrolar do curso. Uma pena…
Quais os argumentos mais comuns da oposição, a despeito de serem ou não psicólogos?
– O psicólogo é um fantoche da empresa, apenas segue ordens e não possui liberdade de atuação;
– Um profissional da administração pode realizar muitas de suas atividades. Há diversos administradores exercendo o cargo de gerentes de Recursos Humanos em detrimento de profissionais da Psicologia;
– Os funcionários não são escutados e acolhidos já que o psicólogo “está do lado da empresa”;
– O trabalho do psicólogo organizacional é fazer seleção e festinhas;
– É incompatível a sensibilidade com o outro e a visão estratégica do negócio.
Bem, quem fala algo do tipo ouso dizer que ou é porque desconhece os diversos subsistemas da área ou porque teve a infelicidade de vivenciar essa experiência em uma empresa comprometida apenas com o lucro. Podem haver outros motivos também, porém não entrarei nesse mérito. Na verdade, o desconhecimento e a falta de abertura são aliados para uma visão equivocada, retrógrada e implicante.
O mundo do trabalho tem sido construído com histórias transformadoras que trazem benefícios para as empresas e também para seus colaboradores. Há gestores cuidando de seu negócio e de suas equipes com um enfoque bastante estratégico e parceiro, assessorados por profissionais que compõem a área de recursos humanos. Estes são responsáveis por estudar, planejar, executar e acompanhar todas as ações que refletirão em um ambiente favorável para o corpo funcional das instituições exercer suas atribuições da melhor maneira, tudo respaldado em diretrizes bem definidas.
Assim, a justificativa de que os funcionários não são escutados não procede. Muito se tem investido no intuito de promover melhorias no ambiente de trabalho. Há empresas que realmente levam a sério a saúde de suas equipes e o psicólogo exerce um papel preponderante nesse sentido. Dessa forma, é completamente possível e aplicável a sensibilidade com o outro, alimentando, também, a visão estratégica do negócio. Como uma organização será bem avaliada perante seu público interno e externo se não cuida bem de quem a compõe? Seguindo essa linha, o prognóstico não será promissor.
Então, esses argumentos de que o psicólogo não possui autonomia nas organizações e apenas segue ordens é algo ultrapassado, pois o ambiente corporativo tem avançado bastante em termos de se importar com seus talentos. No organograma de muitas empresas a área de Recursos humanos (hoje comumente denominada Desenvolvimento Humano) está diretamente ligada à Diretoria, tamanha a estreiteza da comunicação.
Quanto à comparação com os administradores, outra má interpretação. A administração de recursos humanos engloba vários saberes e, lógico, necessita da contribuição de áreas distintas que, sabiamente aplicadas, complementam-se. Não se trata de uma competição infantil para saber quem ganha mais medalhas, se o administrador ou o psicólogo, e sim, como áreas de ciências distintas podem conviver de forma harmônica, parceira e inteligente visando um objetivo comum. Afinal de contas, não só com administrador e psicólogo se faz um RH, certo?! Não mesmo.
Seleção e festinhas. Esse pensamento feio precisa urgentemente de uma atualização. Sugiro começar pela leitura de Recursos Humanos – O Capital Humano das Organizações (Chiavenato, 2009).
Para enfatizar, vamos imaginar o seguinte cenário:
Você participou de seleção para uma empresa e o processo seletivo como um todo foi repleto de despreparo, enganos e remarcações. Quando finalmente iniciou suas atividades, não houve acolhimento algum e percebeu que as atribuições não estavam de acordo com o combinado. Sentindo-se perdido, resolveu se calar para não perder a oportunidade e após 6 meses de muita frieza no ambiente de trabalho, falta de proximidade com o gestor e com o RH, estava se sentindo muito cansado e desanimado. Ninguém lhe perguntou o que estava achando do novo trabalho. Revolveu pedir demissão pois preferia tentar a empresa em que seu amigo atua, já que este fala muito bem de lá, de seu gestor, das atividades e do salário.
Frustrante, não? Que instituição péssima para se trabalhar!
No polo inverso, se a empresa em que você trabalha realiza um processo sério de captação de talentos, acompanhamento funcional de quem ainda está no período de experiência, bem como investe nos talentos internos com treinamentos, cursos e preparação para novos desafios e oportunidades, que cenário promissor para se crescer profissionalmente.
Somando-se a tudo isso uma política de cargos e salários condizente com o nível de dificuldade e responsabilidade das atribuições, a constante monitoração dos funcionários junto aos gestores e a implementação de políticas de saúde e qualidade de vida no trabalho, podemos dizer que você trabalha em uma empresa muito diferente da situação anterior.
Nesse simples exemplo, foram citados alguns dos diversos programas dos subsistemas de RH. Minha intenção não é promover uma enxurrada de informações técnicas a esse respeito, mas sim, tornar o assunto mais próximo de quem se interessa pela área e daqueles que costumam julgá-la sem conhecê-la direito. Bem, há muito mais que seleção e festinhas, concorda? De fato, se eu fosse continuar, poderia fazer um trabalho de conclusão de curso!
Por fim, está mais do que comprovado que o trabalho movimenta a vida do ser humano e contrariando opiniões, é, sim, possível se fazer psicologia nas organizações. Isso é viável, principalmente, se o seu conceito for abordado de maneira ampliada, contribuindo com uma atuação humanitária e estratégica, transformando o mundo do trabalho a partir do sentido primordial de cuidar de seus reais protagonistas.