Vivemos em um tempo no qual a pressa domina nossas vidas. Antigamente, esperávamos meses por uma carta. Sem telefone em casa, era preciso esperar horas para os recados chegarem. Com o advento do e-mail, a espera foi encurtada para dias, horas, minutos. Chegamos às mensagens SMS no celular, que reduziram ainda mais o tempo de espera para minutos. E agora, com o WhatsApp, a espera é praticamente inexistente. Reclamamos se uma mensagem é visualizada e não respondida imediatamente, enviamos áudios, fazemos ligações, tudo em busca de respostas instantâneas, não de contato genuíno. Essa urgência constante afeta profundamente nossa maneira de interagir e compreender o tempo.
Ligações são consideradas longas, e não temos mais tempo a perder. Mensagens de áudio? Só se aceleradas em 1,5 ou até 2 vezes a velocidade normal. Vivemos acelerados, buscando otimizar cada segundo, ser produtivos, preencher cada momento. Porém, como podemos viver correndo, sempre pensando no futuro, sem esquecer do presente? O tempo escorre por nossos dedos, e não temos mais o luxo do tempo perdido. Como vamos perder alguns segundos com uma única tarefa? Precisamos otimizar, abrir muitas abas, ser multitarefas, pensar no trabalho enquanto escutamos música, fazemos crossfit e tiramos fotos para mostrar que “pagamos” o que ninguém cobrou. Esta busca incessante pela otimização nos desumaniza, transformando nossas relações e experiências em meros processos a serem acelerados e concluídos.
Acostumamo-nos a essa velocidade e esquecemos o valor da espera, o tempo de reflexão. Esquecemos que a jornada é tão importante quanto o destino. A paisagem pelo caminho pode ser tão ou mais bonita do que o destino. Mas que paisagem? Estamos sempre de cabeça baixa, olhando para nossos celulares, enquanto a vida passa depressa. Ninguém vê ninguém. Estamos sozinhos na multidão, encarcerados em nosso mundo particular na palma de nossas mãos, onde não esperamos os comerciais e assistimos apenas aos conteúdos que concordam conosco, ouvimos a nossa própria playlist e fantasiamos que o mundo é feito apenas de iguais. O sociólogo Zygmunt Bauman, em sua obra sobre a modernidade líquida, destaca como a liquidez do nosso tempo desintegra os laços humanos e transforma a vida em uma série de momentos efêmeros, sem profundidade ou significado duradouro.
Em um mundo cada vez mais líquido, as relações são dispensáveis. O “Eu” é o que importa, o “Outro” apenas serve para comparar o número de likes ou ver qual a melhor pose, trend, hype. Queremos celebrar tudo e a todo momento, porque a vida é feita de notícias positivas. Aniversários parecem demorados, então inventamos o “mêsversário”. Doze meses demora muito, vamos fazer 12 festas, cada uma com um tema, porque assim nem precisamos escolher entre uma coisa ou outra. Eventos privados viram chá de revelação, chá de divórcio e festas de descasamento. Nada é privado, tudo é público, aberto, tudo é like. Comemorar o fim de semana é pouco, agora temos “sextou”, “quintou”, “quartou”, “feriadou”. Celebramos o vazio, buscando reforços constantes para nossa autoestima. Queremos ser protagonistas em todos os momentos, seja em um casamento ou em qualquer outro evento. Agora dizemos que vamos “casar alguém” ao invés de simplesmente dizer que vamos a um casamento. Temos que ter protagonismo até quando não somos os protagonistas. Essa necessidade incessante de validação constante nos desvia do valor das experiências e das relações autênticas. Tempos líquidos, relações líquidas.
Vivemos em tempos líquidos, quando tudo está em constante transformação. O valor das coisas como eram se perde, e o imediatismo e a recompensa simples e direta se tornam a norma. Criamos mundos fantasiosos, muitas vezes alimentados por redes sociais como o Instagram, onde tudo é filtrado e parece perfeito. Porém, no dia a dia, as coisas são diferentes. O excesso dessa ilusão de perfeição pode ser prejudicial à saúde mental, causando ansiedade e sentimentos de inadequação. Bauman argumenta que a fragilidade dos vínculos modernos resulta em um ciclo interminável de busca por gratificação instantânea, deixando-nos insatisfeitos e constantemente ansiosos. As relações já não são feitas para durar: postei, curti, já ficou velho, próxima. Isso tudo desafia nossa capacidade de manter conexões humanas significativas. Tudo o que queremos é o conforto da positividade e do número de followers. Quem quer ser um influencer? E quem não quer?
Criar um ambiente completamente livre de dificuldades nos enfraquece. Precisamos brincar na areia, nos sujar, acertar, errar, enfrentar alguns problemas para ter histórias para contar. Isso significa viver de fato. Não podemos higienizar a vida, criando ambientes totalmente protegidos que nos impeçam de viver realmente. Que histórias contaremos no futuro? As vitórias em um videogame? As 120 festas temáticas de mêsversário com apenas três pessoas? Já dizia a vovó que tudo que é em excesso faz mal, mas quem ouviu? Ninguém se lembra do que se tornou banal e acontece todo dia. A vida precisa de desafios e problemas. Não sobrevive quem não tem problemas, mas sim quem os supera. Os desafios são essenciais para o crescimento pessoal e a resiliência, permitindo-nos enfrentar adversidades com mais força e sabedoria. Rubem Alves já dizia que “ostra feliz não faz pérola”; é na adversidade de um grão de areia que a ostra cria uma pérola.
Não podemos viver apenas pelo prazer e pela dopamina. Precisamos enfrentar espinhos para apreciar o perfume das rosas. Mas, se não estamos contentes com qualquer senão, passamos a buscar por felicidade e recompensa imediata e, quando ela já não faz mais efeito, vamos buscar um diagnóstico ou medicamento. Hoje, perguntar sobre os medicamentos que alguém toma ou sobre seu diagnóstico é trivial. Virou assunto de corredor, papo de café ou almoço de domingo. Quem ainda não toma um comprimido ou dois não faz parte do “clube das cinco da manhã”.
Mas e se simplesmente vivêssemos? Aproveitássemos cada momento, incluindo o “dolce far niente“, a expressão italiana para o “doce fazer nada”? Viver as esperas é tão importante quanto viver as conquistas. A capacidade de tolerar frustrações e de se adaptar a circunstâncias adversas é fundamental para um bem-estar duradouro. Às vezes, descobrimos muitas coisas apenas por estarmos distraídos. Se você largar o Waze ou o Google Maps e não consultar as recomendações no Reclame Aqui, poderá até se surpreender com uma sorveteria na esquina, um café com espaço para leitura e, quem sabe, até conhecer pessoas que possam ser futuras amigas. Qual foi seu último amigo não indicado pelo Facebook?
Esperar não é fácil, mas é importante. Pesquisas mostram que crianças que conseguem esperar para receber uma recompensa maior no futuro tendem a ter benefícios ao longo da vida. Esse é um exemplo clássico de controle inibitório, a capacidade de resistir a uma gratificação imediata em favor de uma recompensa futura mais significativa. Estudos de Psicologia mostram que essa habilidade está ligada a melhores resultados acadêmicos, profissionais e pessoais. O famoso experimento do marshmallow de Walter Mischel ilustra isso perfeitamente: crianças que conseguiam esperar por uma segunda guloseima apresentaram melhores desempenhos em diversas áreas ao longo da vida. Força de vontade e controle inibitório são necessários para uma vida mais real e para o autocontrole. O prazer imediato é ótimo, mas aguardar pode ser melhor ainda.
Talvez seja hora de reaprendermos a esperar, a valorizar a jornada, a refletir e, acima de tudo, a viver plenamente. Precisamos redescobrir a importância do tempo de espera, da reflexão e da apreciação das pequenas coisas que compõem a vida. Em vez de buscar constantemente a gratificação imediata, devemos cultivar a paciência e a resiliência, aprendendo a enfrentar desafios e a valorizar o processo. Nem sempre seremos a bola da vez, e não precisamos desse protagonismo o tempo todo, valorizado pela cultura da internet. Ir a um casamento é tão bom quanto “casar alguém”; não somos padres, juízes ou celebrantes, somos apenas convidados de uma celebração. Vamos celebrar a felicidade dos outros; isso é muito bom também. Somente assim poderemos realmente viver de forma autêntica e significativa, aproveitando cada momento sem deixar que a pressa e o imediatismo nos roubem a profundidade da experiência humana.