Empatia é, basicamente, a capacidade de se colocar no lugar do outro; sentir como ele sente, perceber o mundo como ele percebe. Adotar essa atitude fortalece as relações, pois quando nos colocamos no lugar de outra pessoa, somos capazes de entender suas motivações, atitudes e comportamentos, não sobrando espaço para julgamentos ou críticas.
A presença da empatia na relação médico paciente tem sido associada à diminuição de erros médicos e melhores resultados para os pacientes, que também sentem-se mais satisfeitos. Além disso, médicos empáticos tem menor probabilidade de serem acusados de negligência e são mais felizes (Chen, 2012).
Aí você me pergunta: se a empatia traz tantos benefícios assim, por que é tão difícil encontrar médicos com essa habilidade?
A resposta é um pouco complexa e envolve uma série de elementos. Não pretendo esgotar o assunto, mas acredito que podemos pensar em algumas questões para entender um pouco melhor essa realidade.
Antes de começar a me aprofundar no assunto, faço um convite a você: caso não seja médico, procure se desprender de alguns preconceitos e estereótipos do tipo “médicos são pessoas arrogantes” ou que “só estão preocupados em ganhar dinheiro e pouco se importam com o paciente”.
Você que é médico certamente fica irritado e indignado (eu também ficaria!) ao ouvir esse tipo de avaliação a seu respeito e deve saber que esse não é o real motivo de a maioria de seus colegas e você também apresentarem certa dificuldade em se colocar no lugar de seus pacientes.
Dito isto, acho que estamos prontos para olhar a questão um pouco mais de perto.
Em primeiro lugar, todo fenômeno deve ser analisado dentro do contexto no qual está inserido. Sendo assim, é importante pensarmos a questão considerando o tempo e a sociedade que vivemos. Pare para pensar nas características dos tempos atuais e não será difícil identificar exemplos de barbárie, individualismo, relações virtuais, etc. Tudo que vai na contramão da empatia e conexão humana…
O ensino atual é reflexo de uma sociedade marcada pela produtividade, cobrança por resultados, especialização. Com tanto conteúdo a ser transmitido ao longo da formação, o currículo é ocupado por disciplinas cada vez mais específicas e técnicas. Enquanto isso, pouco espaço sobra à formação humana.
Quando fiz minha pesquisa de mestrado com estagiários de fisioterapia, por exemplo, descobri que essa era uma grande lacuna na formação dos alunos. Eu estava interessada em saber como era para eles se relacionar com seus pacientes e, ao final da pesquisa, ficou claro que recebiam uma sólida formação técnica, enquanto o relacionamento com o paciente ficava em segundo plano, sujeito à sensibilidade de cada professor e das habilidades pessoais dos alunos. Não havia um espaço oficial ou uma disciplina onde os alunos pudessem compartilhar experiências, aliviar angústias e tirar dúvidas a respeito do contato com o paciente e tudo que é despertado a partir dele.
Isso não significa que não existam pessoas com motivações mais egoístas dentro das faculdades, mas o que observamos é que estudantes de medicina, em geral, são pessoas que tem como motivação cuidar do outro, salvar vidas, aliviar a dor, o sofrimento, promover a cura. Mas durante o processo de formação esses desejos parecem se perder pelo caminho. E aquele indivíduo sensível dá lugar a uma pessoa fria, insensível e impaciente diante do outro.
Diversos estudos já apontaram que estudantes de medicina perdem ou diminuem drasticamente sua capacidade empática a partir do terceiro ano de graduação.
Eis alguns dos motivos que, combinados, costumam resultar na diminuição da empatia nesse contexto:
- Formação muito técnica
- Cobrança, pressão por resultados, intolerância a erros
- Stress
- Encarar a morte de perto com frequência
- Sobrecarga de trabalho, plantões, falta de cuidado com a própria saúde, entre outros.
Além disso, existem algumas áreas da medicina onde a empatia precisa sair de cena em determinados momentos para que o profissional consiga executar seu trabalho com excelência (como você pode ver nesse artigo publicado pela Academia Médica). Imagine um cirurgião ocular na sala de cirurgia deixando-se levar pela empatia, trazendo à tona sentimentos de aflição e dor. Certamente suas emoções o levariam a erros ou à paralisação. Você já experimentou executar uma tarefa que exigia concentração e destreza tomado por emoções fortes? Se sim, imagino que o resultado não tenha sido muito satisfatório. Agora imaginemos uma pessoa que tem diante de si uma vida a ser salva e “sofre junto” com o doente. Como poderia proceder de forma competente?
O problema é que essa “frieza” acaba se estendendo a outras situações, como no contato com o paciente ou com seus familiares em situações clínicas, num pré ou pós operatório, onde essas pessoas precisam de suporte emocional para lidar com a situação delicada.
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Conheço diversas pessoas que tem ao menos uma história ruim para contar a respeito de um atendimento médico desastroso.
Um diagnóstico equivocado – ou até mesmo correto – comunicado de forma brusca aqui, uma piada de mau gosto ali…são ingredientes certeiros para a insatisfação do paciente e falta de entendimento entre ele e o profissional.
Os exemplos mais comuns que demonstram falta de empatia na relação com o paciente envolvem:
- Falta de contato visual
- Julgamentos
- Piadas inapropriadas
- Verdades ditas de forma dura
- Dizer que o sintoma ou doença do paciente “não é nada demais”
O paciente quando procura um médico, salvo em consultas de rotina, geralmente está doente ou com sintomas cuja origem desconhece e lhe causam preocupação. O leigo não sabe se o que sente é normal, se é grave ou não. Sente-se angustiado, ameaçado. Incertezas rondam-lhe a mente, ocupam seus pensamentos, dificultando o prosseguimento normal do curso da vida, dos afazeres diários.
É fato que as emoções desempenham um papel importante em nossa vida e em nosso bem estar. Negligenciar o estado emocional do paciente significa ignorar uma parte essencial do processo diagnóstico e do prognóstico. Não se trata de assumir uma postura que culpabiliza o doente por seu estado de saúde, como algumas teorias sem fundamento indicam a relação entre mágoas e câncer, autismo e mãe geladeira, como se o doente fosse responsável por ter desenvolvido um sintoma (Goleman, 2007).
Muitos médicos sabem disso, mas acreditam que cabe somente ao psicólogo ou ao psiquiatra fazer algo que promova a saúde psíquica do paciente. Como se este fosse um terreno exclusivo destes profissionais. É indiscutível que psicólogos e psiquiatras possuem um conhecimento mais profundo a esse respeito e são os profissionais mais indicados para isso. Mas médicos também são humanos e, portanto, capazes de estabelecer relações mais profundas, humanas e não superficiais, mecânicas.
E qual o papel da empatia na relação médico paciente?
Não proponho que médicos abandonem seu conhecimento técnico, mas que aliem à sua atuação uma postura que leve em consideração a pessoa do paciente. Nesse sentido, a psicologia pode contribuir muito para um trabalho mais abrangente.
Um paciente que se sente emocionalmente próximo, conectado ao seu médico é mais suscetível a fornecer informações importantes para a compreensão do caso e a seguir as orientações médicas. Isso é fundamental para o sucesso de um tratamento, pois sabemos que um bom resultado depende da participação ativa do paciente. Gilliar (2016) resume essa ideia dizendo que ao se sentirem cuidados, os pacientes não apenas se sentem melhor, mas comportam-se dando o seu melhor.
Assim como não nascemos sabendo odiar, julgar, etc e aprendemos isso ao longo da vida, também podemos aprender a nos colocar no lugar do outro, a ter uma postura mais compassiva.
Empatia não é um dom presente em um grupo seleto de pessoas desde o nascimento. Empatia é algo aprendido. E se é aprendida, pode ser ensinada e praticada.
Existem treinamentos, fórmulas e técnicas e livros de autoajuda que ensinam as pessoas a serem empáticas, e isso pode até se constituir um caminho. Mas acredito que assim como se aprende a ser frio sem uma fórmula específica, o resgate ou o aprendizado de uma postura mais humana também não necessita de uma fórmula específica ou de um manual. As técnicas ajudam, mas acredito que a sensibilidade e a empatia precisam ser exercitadas no dia a dia. É preciso muito mais que um aprendizado técnico ou aplicação de uma fórmula.
É necessário uma nova forma de olhar e enxergar o outro, de estabelecer relações.
E isso não se aprende por meio de fórmulas, se aprende vivendo, sentindo, se abrindo ao contato com o outro.
E esse modo de enxergar o outro não traz benefícios apenas ao seu contexto de trabalho. Traz um crescimento pessoal. As profissões que lidam com seres humanos tem essa vantagem: ao trabalhar a serviço do outro, também crescemos, amadurecemos e aprendemos muito sobre a vida.
E como aprender a ser mais empático?
Como disse, não existe uma fórmula, mas existem estudos que indicam algumas estratégias que ajudam no desenvolvimento da empatia. Em artigos futuros abordarei algumas sugestões nesse sentido. Mas acredito que o simples fato de você parar e refletir sobre sua prática, observando como tem se comunicado com seus pacientes e colegas de trabalho, já o deixará mais consciente e atento sobre seus comportamentos e mais propenso a mudanças.
Referências:
Chen, P. W. (2012). Can doctors learn empathy? The New York Times. http://well.blogs.nytimes.com/2012/06/21/can-doctors-learn-empathy/
Gilliar, W. (2016). Medical students need to learn the potent medicine of empathy. https://www.statnews.com/2016/09/29/medical-students-learn-empathy/
Goleman. D. (2007). A emoção na clínica médica. In: Inteligência emocional. Rio de Janeiro: Objetiva.