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Renan Sargiani

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O que a renúncia do Papa Bento XVI nos diz acerca de seu cérebro?

Postado em 11 de fevereiro, 2013

Vaticano

Esse artigo é uma adaptação do artigo “What the Pope’s resignation Tells Us about His Brain” do neuropsicólogo Dr. Ian Robertson da Trinity College Dublin. Considerando a importância e surpresa/fato histórico da noticia dada hoje sobre a renúncia do papa Bento XVI, creio que possamos aproveitar o ensejo para discutir um pouco sobre os efeitos da idade sobre as funções cognitivas, principalmente nos casos de pessoas que estão em cargo de poder.

    “Sinto o peso do cargo…Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência perante Deus, cheguei à conclusão de que as minhas forças, devido a uma idade avançada, não são capazes de um adequado exercício do ministério de Pedro” – Papa Bento XVI

Em consonância com o Dr. Robertson autor do artigo em inglês supracitado, o fato de um homem de 85 anos com poder absoluto sobre milhões de pessoas renunciar voluntariamente do seu poder, nos sugere que o Papa Bento XVI esteja muito provavelmente em pleno gozo de suas faculdades mentais.

Harty, Robertson e O’Connell (2012) demonstraram em um recente estudo que um dos efeitos menos comumente reconhecidos de idade no cérebro é uma diminuição da capacidade de reconhecer seus próprios erros, levando a uma diminuição da capacidade de estar ciente de suas próprias capacidades reduzidas.

O fato de que o Papa Bento XVI optou por se demitir sugere, segundo o Dr. Robertson, que a acuidade mental de Sua Santidade permanece alta e que, independentemente das críticas de suas posições teológicas, administrativas e sociais, ele não sucumbiu aos efeitos corruptores sobre a vida mental e emocional que o poder irrestrito quase inevitavelmente produz a quem é dado um grande poder sobre os outros.

A última vez que um papa renunciou voluntariamente foi em 1415, quando o Papa Gregório XII o fez para tentar impedir uma guerra civil sobre reivindicações concorrentes quanto a quem era o verdadeiro papa. Desde então, durante esses quase seis séculos é evidente que muitos papas podiam ter renunciado devido a sua idade ou saúde, mas ninguém o fez até o Papa Bento XVI. E isso não é surpreendente, porque é muito difícil para quem é dado o poder sem restrições de um prazo fixo, processos de eleição ou de reeleição, evitar a armadilha de acreditar-se ser indispensável.

Robertson relembra que o ex-presidente Charles de Gaulle da França advertiu em uma frase famosa “Après moi, le dilúvio!” – Depois de mim, o dilúvio! Onze anos como presidente o fizeram ficar-se convencido de sua indispensabilidade para o país e você pode ver o mesmo tipo de coisa acontecendo na maioria das pessoas que detêm o poder por longos períodos, seja em um país, uma empresa ou uma igreja. No Reino Unido, Margaret Thatcher e Tony Blair ambos tiveram que ser afastados de seus cargos e ambos estavam convencidos de sua própria indispensabilidade.

A própria Rainha Elizabeth II, de 86 anos, ainda governa o Reino Unido apesar de já octogenária, como também o fez antes sua trisavó a Rainha Victoria que governou até a data de sua morte aos 81 anos em 1901. Um exemplo oposto ao da monarquia inglesa é o da monarquia holandesa em que é comum que os monarcas renunciem em favor dos filhos após certa idade. Isso foi feito recentemente em janeiro de 2013, pela Rainha Beatriz da Holanda, de 75 anos, que abdicou em favor de seu filho após governar os Países Baixos por mais de 30 anos, após a renuncia de sua mãe em 1980 que na época da renúncia tinha 71 anos.

No Brasil, podemos ilustrar com o recente afastamento do octogenário ex-presidente da Republica e ex-presidente do senado José Sarney, que deixou recentemente seu cargo como presidente do senado. Salvo as controvérsias acerca de sua reputação, Sarney como um dos mais longevos políticos brasileiro também tomou uma decisão sensata de não concorrer mais a cargos públicos devido a sua idade.  Em recente entrevista a Folha/UOL afirmou “Uma vez o Virgílio Távora conversando comigo disse [que há] duas maneiras de a gente largar a política militante. Ou quando o povo largava a gente, ou quando a gente larga o povo. Nós temos outra, que é a idade. Eu, na minha idade, não posso jamais pensar em ser candidato novamente ao Senado.” O que demonstra que Sarney também aparenta ser muito consciente de seus próprios limites.

Segundo Robertson o problema de envelhecer é particularmente agudo como os detentores do poder, porque a idade, infelizmente, aumenta a ameaça para a função cerebral: entre 20 e 40% das pessoas com 85 anos de idade, por exemplo, vão mostrar sinais de declínio mental significativo e umas das primeiras causas de declínio é a diminuição da capacidade de auto-avaliação realista de suas próprias habilidades. Isso representa um enorme problema aos órgãos absolutistas, como a Igreja Católica, para algumas empresas e para as nações com nenhum ou fracos controles democráticos. O poder é uma droga muito potente para “distorcer” o cérebro e só pode ser seguramente prescrita quando existem limites seguros do tipo que foi construído pelos movimentos humanos democráticos ao longo dos séculos.

O poder vitalício é também um enorme problema para os juízes que são nomeados por toda a vida, como é o caso de juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos. O sistema judicial é parte de um conjunto de controle democrático de controle e balanço do poder, mas o problema é que os poderes que são dados são em grande parte sem restrições, uma vez que eles estão em seus cargos, como é o caso dos papas. É também o caso do líder supremo do Irã desde 1989, o aiatolá Ali Khamenei. Ele tem a palavra final sobre todos os assuntos, incluindo militares, legais e mídia, um grau de poder muito maior do que qualquer chefe de Estado democrático ou qualquer papa moderno.

De acordo com Robertson tudo isso torna ainda mais notável que o Papa Bento XVI tenha voluntariamente abandonado o poder, ainda que por causa das limitações de saúde física. O que quer que alguém pense sobre suas decisões, políticas e pontos de vista, sua ação em renunciar hoje é um exercício notável de auto-controle diante de enormes pressões psicológicas, sociais e biológicas para se manter no poder. Concluo desejando que ainda que seu papado se encerre no próximo dia 28/02/1013 que Sua Santidade possa gozar de suas boas condições mentais por muitos anos e que seu exemplo de decisão seja historicamente reconhecido como uma marca de sabedoria, de que a melhor decisão de um verdadeiro governante é as vezes reconhecer seus próprios limites e abdicar se necessário.

Referência:

Harty S, Robertson IH and O’Connell RM (2012) Transcranial Direct Current Stimulation Ameliorates Awareness Deficits in Normal Aging. Poster Presented at the Society for Neuroscience, New Orleans, October 2012.

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