Em tempos de tantos atitudes grosseiras e preconceituosas contra os nordestinos do Brasil. Quero resgatar apenas um dos inúmeros elementos que mostram a importância da cultura nordestina para nosso país e especialmente para a Educação.
Para isso, eu poderia falar de grandes nomes de educadores nordestinos, ou apenas resumir em dois nomes que sintetizam o que estou falando: Paulo Freire e Anísio Teixeira.
Mas, aqui eu falo de Luiz Gonzaga, isso mesmo do cantor pernambucano! Que a música dele representa uma grande contribuição à cultura Brasileira isso ninguém pode negar.
Mas, eu quero destacar outra contribuição menos reconhecida do rei do Baião Luiz Gonzaga, a contribuição para a alfabetização!
Luiz Gonzaga foi muito sábio quando cantou o ABC do Sertão. Veja a letra abaixo. Por um lado ele registrou uma prática cultural nordestina que é a facilitação dos nomes das letras do alfabeto para a aprendizagem da linguagem escrita.
ABC do Sertão
Luiz Gonzaga
Lá no meu sertão pros caboclo lê
Têm que aprender um outro ABC
O jota é ji, o éle é lê
O ésse é si, mas o érre
Tem nome de rê
O jota é ji, o éle é lê
O ésse é si, mas o érre
Tem nome de rê
Até o ypsilon lá é pissilone
O eme é mê, O ene é nê
O efe é fê, o gê chama-se guê
Na escola é engraçado ouvir-se tanto “ê”
A, bê, cê, dê,
Fê, guê, lê, mê,
Nê, pê, quê, rê,
Tê, vê e zê
Lá no meu sertão pros caboclo lê
Têm que aprender outro ABC
O jota é ji, o éle é lê
O ésse é si, mas o érre
Tem nome de rê
O jota é ji, o éle é lê
O ésse é si, mas o érre
Tem nome de rê
Até o ypsilon lá é pissilone
O eme é mê, O ene é nê
O efe é fê, o gê chama-se guê
Na escola é engraçado ouvir-se tanto “ê”
A, bê, cê, dê,
Fê, guê, lê, mê,
Nê, pê, quê, rê,
Tê, vê e zê
A, bê, cê, dê,
Fê, guê, lê, mê,
Nê, pê, quê, rê,
Tê, vê e zê
Atenção que eu vou ensinar o ABC
A, bê, cê, dê, e
Fê, guê, agâ, i, ji,
ka, lê, mê, nê, o,
pê, quê, rê, ci
Tê, u, vê, xis, pissilone e zê.
Por outro lado, ele ajudou a divulgar esse conhecimento e a mostrar o valor, pioneirismo e importância dessa prática no ensino.
No entanto, talvez essa prática não tenha o reconhecimento que deveria. E nem acredito que essa seja uma de suas músicas mais conhecidas.
Todos nós sabemos do triste e vergonhoso preconceito contra os nordestinos e sua cultura nas regiões Sudeste e Sul do Brasil. O que pode justificar o porquê muitos não conhecessem essa música.
Assim, também é com o verdadeiro ABC do sertão, não apenas a música, mas aquele que as crianças e milhares de nordestinos usam e que realmente pode oferecer contribuições a alfabetização. Esse é relegado a segundo, terceiro ou quarto plano e sofre o que chamamos de preconceito linguístico como diria Marcos Bagno (2002).
Ora quem nunca ouviu alguém chamando a letra F de Fê ou o M de Mê? Mesmo em São Paulo isso não é muito difícil de se escutar. Mas é claro que a argumentação é de que se trata de um erro! De uma abominação que deve ser extirpada de nosso linguajar.
Eu defendo o contrário. Veja, existem muitas evidências de que as crianças se beneficiam e muito dos nomes das letras para aprender a ler e a escrever. Essa simplificação do nome das letras, então pode na verdade facilitar a aprendizagem da leitura e da escrita.
Muitas das escritas inventadas das crianças, utilizam o nome das letras como pistas fonológicas para escrever (Cardoso-Martins & Batista, 2005). Uma criança pode, por exemplo escrever CRJA para Cereja, KZA para Casa, ou TLFON para Telefone.
Estou defendendo que elas devem aprender a escrever errado? Sem ortografia? Não!
Veja, essas crianças das quais estou falando, estão justamente nas primeiras fases da aprendizagem da leitura e da escrita. Essas crianças, portanto, estão se beneficiando dos nomes das letras para representar sons das palavras e por isso apresentam uma compreensão maior do sistema de escrita, do que aquelas que apenas fazem rabiscos ao acaso.
O que as pesquisas nos mostram então, era o que a sabedoria nordestina já sabia há muito tempo, as crianças usam os nomes das letras como pistas para escrever. Muito mais fácil, então usar Fê, Lê, Mê, Rê do que Efê, Elê, Emê, Erre. Estou defendendo que devemos mudar os nomes das letras do português? Também não!
As crianças que não usam o ABC do sertão também se beneficiam dos nomes das letras. Estou apenas reconhecendo a importância desse alfabeto do sertão, por ser uma tentativa de facilitar ainda mais que as crianças se beneficiem dos nomes das letras.
Estou reconhecendo e defendo esse ABC do sertão que é muitas vezes vitima de preconceitos e afirmando que há benefícios em usar o nome das letras como uma forma de ensinar a ler e escrever. Seja como ABC do sertão ou seja como ABC clássico (ou até o ABC da Xuxa), conhecer os nomes das letras é um dos maiores e melhores preditores da aprendizagem da linguagem escrita, portanto garantir que as crianças aprendam os nomes das letras é essencial!
Quer um exemplo prático de como usamos o nome das letras para beneficiar a leitura? Na USP, por exemplo, nós chamamos a Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas de FFLCH, mas como é a pronúncia? “FêFêLéChê” (ou FêFêLéChi) , isso é para os íntimos ou para quem quer evitar o trava-línguas consonantal.
Portanto, valorizemos nossa cultura brasileira sem preconceitos! Utilizemos o que for de melhor, independentemente de preconceitos. Para encerrar você pode ouvir o ABC do Sertão na voz do Rei do Baião. Quem sabe você não se inspira criando músicas para que as crianças possam aprender o nome das letras e a aprender a ler com mais sucesso.