Desde pequenos aprendemos com os outros como nos comportar, como pensar e até como sentir em determinadas situações. Nos comparamos com eles e, a partir daí, nos percebemos como sendo parecidos ou diferentes de determinadas pessoas e grupos. Essa ambientação social nem sempre é fácil, pois nem sempre somos adeptos ao que é valorizado pela nossa família, nossos amigos e/ou nossa comunidade. E é aí que começam os questionamentos e as rotulações: “Será que sou normal?” Mas, afinal, o que é ser normal? A seguir, vamos entrar numa discussão um pouquinho diferente sobre a tal normalidade.
1. A estatística explica
A gente pode tentar explicar a normalidade sob vários pontos de vista. Vamos entrar aqui numa discussão nem sempre explorada por psicólogos (mas muito frequente nas nossas vidas), que é a explicação estatística sobre normalidade. Simplificando, podemos dizer que a normalidade para a estatística se resume a uma curva em forma de sino. Nessa curva, a média e o desvio padrão são parâmetros para definir uma tendência geral, um intervalo de normalidade. Quando estudamos certas características de uma população, analisamos cada indivíduo e os organizamos de acordo com o que cada um apresenta.
Por exemplo, suponhamos que queremos saber a altura de jovens de 20 anos. Selecionamos aleatoriamente 200 pessoas com essa idade e as medimos. As medidas são variadas, há pessoas mais baixinhas e outras bem mais altas. As mais baixas ficam num extremo dessa curva, enquanto as mais altas ficam no outro extremo. Quanto mais ao meio, mais próxima da média é a altura (lembrando que a média é a soma de todas as alturas dividida pelo número de pessoas estudadas), e portanto mais ao centro do intervalo de normalidade – seria, então, o que consideramos normal. É nessa faixa que a maioria da população estudada se encontra.
Mas não olhamos só para o médio: também podemos observar a faixa de pessoas com altura média superior (levemente mais altas que a maioria, ainda uma parcela bem razoável dentre os 200 jovens) e média inferior (as pessoas levemente mais baixas), além daquelas com altura superior e inferior (que são significativamente mais altas ou mais baixas, como os jogadores de basquete).
2. O normal é relativo
O que é considerado normal sempre dependerá das características analisadas e da população estudada. Nesse exemplo da altura de jovens, podemos encontrar parâmetros diferentes se dividirmos a população por gênero – obviamente a altura de homens e mulheres é diferente. Podemos ainda separá-los por cor da pele e ver se brancos, negros, asiáticos e pardos apresentam faixas de altura semelhantes ou não. Logo, a altura normal para um homem asiático pode ser diferente do que a de um homem negro de 20 anos (dentre esses 200 jovens estudados).
Se formos para outro local e pegarmos outros 200 jovens para estudar a altura, ainda podemos encontrar resultados diferentes. Isso significa que o normal sempre está se referindo a uma população específica: se eu mudo o meu olhar e passo a observar outra população, o normal também pode mudar.
3. Ser normal é bom ou ruim?
Estar dentro da faixa de normalidade, estatisticamente falando, não é bom nem ruim. É apenas um dado. É claro que, dependendo do que estamos observando, questões relativas à adaptação da vida em sociedade ou à saúde podem aparecer – como no caso do estudo do QI. Tanto pessoas com QI superior quando as com QI inferior geralmente apresentam dificuldades de adaptação. Já as pessoas nas faixas médias superior e inferior, não apresentam as mesmas dificuldades e se adaptam mais facilmente.
Por outro lado, nossa sociedade nos ensina que patologias não são “normais” – são condições desviantes do nosso parâmetro de saúde. Porém, algumas patologias são tão frequentes que estatisticamente seriam normais, como a cárie. Se a gente se basear que ter cárie (ou qualquer outra patologia frequente) é normal, vamos nos acomodar? Você quer mesmo ser normal em relação a isso?
Resumindo, ser normal tem a ver com ser parecido com a média, isso é, com a maioria. Mas eu posso ser normal em comparação a certo grupo e não ser em relação a outro. Posso atender aos critérios da normalidade em relação a uma variável e não atender em relação a outra – como peso, altura, QI, gosto musical de pessoas de classe média que residem no meu bairro, tempo de estudo gasto por ano de pessoas que têm a mesma profissão que eu, tempo gasto com atividades de lazer por mês de pessoas que têm a mesma idade que eu e residem na mesma cidade, e por aí vai. A gente pode afunilar o nosso olhar ou expandi-lo para definir a nossa “normalidade”, e se isso é bom ou ruim em relação aos nossos valores pessoais. É por isso que, de perto, ninguém é normal – até porque, haja parâmetros para se definir isso!
Esse artigo se propôs a dar um olhar estatístico sobre a normalidade. Sabemos que esse conceito é amplo e estudado não só por essa ciência. A sociologia terá um olhar diferente – e as vertentes do saber sociológico podem ter idéias diferentes sobre essa mesma questão. O mesmo ocorre com a psicologia e com outras áreas das ciências humanas. Ainda assim, a estatística é o ponto de partida para muitos estudos em psicologia e medicina, entre outros saberes, para se entender a normalidade. Isso se deve ao seu método inquestionável, baseado em evidências, para entendermos do que se trata este conceito.