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Os psicólogos podem dar conselhos?

Os psicólogos podem dar conselhos?

Afinal, psicólogos podem dar conselhos ou não? Eis a questão.

Em tempos em que a Psicologia tem ganhado cada vez mais visibilidade, é essencial refletirmos sobre a postura do psicólogo diante do cliente e desmistificar algumas crenças que permeiam nossa prática profissional.

Este é meu texto de estreia aqui no Psicologia Explica, então você pode imaginar que é um “xodó” para mim. Foi escrito em 2013 e hoje, 3 anos depois, sinto necessidade de editá-lo e aproximá-lo da minha visão atual, adicionando informações ou lapidando as antigas que hoje me parecem não dar conta da complexidade do tema.  

Portanto, o que você está lendo agora não é um conjunto de ideias fechadas sobre o ato de dar conselhos, uma resposta pronta e definitiva sobre o assunto, mas um conjunto de ideias que vem sofrendo transformações ao longo dos anos por diversas razões que se entrelaçam: conhecimento teórico, prática clínica, comentários dos leitores, e, por que não, minha experiência de psicoterapia pessoal. Na verdade, minha proposta aqui é um convite à reflexão sobre essa postura. Então vamos a ela!

Muitas pessoas que desconhecem o trabalho do psicólogo acreditam que este profissional é a pessoa certa para se obter bons conselhos, afinal, ele passou no mínimo 5 anos estudando a mente e o comportamento humano. É assim que muitos clientes iniciam a terapia. Ao relatar seus problemas, direcionam perguntas ao psicoterapeuta na tentativa de descobrir o que devem fazer para eliminar tais problemas que são fonte de sofrimento.

Quem aí nunca ouviu de um cliente perguntas do tipo “o que devo fazer?”, “você acha que fiz o certo?”, ou ainda “como posso resolver ‘x’ situação?”, e por aí vai…

Ou, se você teve ou tem contato com um psicólogo é provável que já tenha se dirigido a ele na tentativa de obter uma resposta nesse sentido.

Quando um cliente traz questões como estas, entendo que ele se encontra num estado de rigidez, onde existe o “certo” e o “errado”, conceitos que indicam um modo de agir baseado em valores externos a ele. Ou seja, o cliente acredita que existe uma resposta que ele desconhece e precisa da ajuda de alguém que lhe diga o que fazer. Neste caso, recorre ao psicólogo para descobrir qual é a decisão certa ou mais adequada para a situação que está vivenciando.

Pois bem, somos psicólogos e adquirimos ao longo da formação e da prática profissional um vasto conhecimento sobre a subjetividade e o comportamento humano, logo, sabemos o que auxilia as pessoas a terem melhor qualidade de vida, como por exemplo, expressar sentimentos de forma assertiva, desenvolver autoconhecimento, expressar gratidão, cultivar relações sociais, praticar exercícios físicos, etc.

A graduação em Psicologia habilita o profissional a analisar os processos intrapessoais e as relações interpessoais, respaldado por teorias e técnicas reconhecidas pela comunidade científica. Sendo assim, os conhecimentos que mencionei há pouco, além de inúmeros outros, foram construídos por meio da realização de pesquisas científicas e não são meras opiniões baseadas na experiência ou crença pessoal do psicólogo.

E aí chegamos a um ponto importante da nossa reflexão: a diferença entre conselho e orientação psicológica.

O conselho remete à ideia de “certo e errado” e a um julgamento ou opinião sobre algo. A Psicologia é uma ciência, logo, profissionais dessa área devem utilizar apenas teorias e técnicas baseadas em conhecimento científico e não em seus valores ou opiniões pessoais. 

Diante de um pai que não sabe como se relacionar de uma maneira que promova o crescimento e a autonomia de seu filho, por exemplo, podemos orientá-lo a permitir que a criança execute as atividades que é capaz de fazer. Esta é uma orientação baseada em estudos da Psicologia do Desenvolvimento e não uma opinião do psicólogo baseada no convívio com seus próprios filhos, sobrinhos ou algo do gênero.

É aí que reside uma das grandes diferenças entre a postura do senso comum e a de um profissional tecnicamente preparado.

Há pessoas que, embora necessitem de ajuda profissional, acreditam que a presença de um bom amigo substitui a de um psicólogo justamente porque não sabem a diferença entre um conselho e uma orientação psicológica.

Uma pessoa que não é graduada em Psicologia pode ser um ótimo amigo, alguém em quem você confia para se aconselhar diante de um dilema, mas ele não dispõe dos mesmos recursos que um psicólogo, fazendo com que sua postura seja pautada em experiências e valores pessoais.

“Mas eu tenho um amigo que me dá bons conselhos e eles funcionam”. Bem, seu amigo pode ser uma pessoa sábia, bem intencionada e ver as coisas com clareza. Conselhos são úteis em determinadas situações, mas seu amigo está apenas fornecendo a opinião dele sobre um fato. Como se trata de um amigo, é provável que a afinidade contribua para que os conselhos façam sentido para você. Mas simplesmente ouvir do outro o que você precisa fazer é muito diferente de colocar isso em prática.

Uma pessoa que se encontra num relacionamento abusivo, por exemplo, não mantém essa situação porque quer ou porque gosta de sofrer. Existem diversos motivos que a levam a continuar nesse relacionamento. É no processo de autoconhecimento, numa psicoterapia, por exemplo, que ela poderá compreender melhor quais questões, sentimentos e comportamentos estão fazendo com que ela permaneça nesse relacionamento. Não basta aconselhar essa pessoa a terminar o relacionamento. Pode até ser que ela termine após receber um conselho que a oriente a fazer isso, mas futuramente poderá se envolver numa situação parecida e o cerne da questão não foi trabalhado. Adiantou algo?

Embora seja impossível dissociar o profissional-psicólogo da pessoa-psicólogo, a atuação profissional exige que as experiências e os valores subjetivos sejam colocados em segundo plano, para que possam dar lugar a uma escuta diferenciada.

O cliente que chega à psicoterapia, muitas vezes em situação de vulnerabilidade, deposita toda sua confiança no terapeuta e espera que este assuma a direção de sua vida, já que não sabe mais o que fazer para livrar-se do sofrimento que vivencia.

Carl Rogers (1977), psicólogo americano fundador da Abordagem Centrada na Pessoa, nos lembra que esta situação pode ser fonte de satisfação para o psicólogo, afinal, ser digno de tamanha responsabilidade não é para qualquer um!

Um terapeuta inexperiente ou emocionalmente imaturo acaba aceitando a tarefa imposta pelo cliente porque acredita que isso realmente o ajudará. No entanto, é preciso que o psicólogo atue de forma íntegra e resista à tentação de dizer ao cliente como deve agir, o que deve pensar, etc.

Mas o que há de errado em dar conselhos?

Bem, levando em conta que o processo psicoterapêutico tem como objetivo resgatar a autonomia do cliente, permitir que ele conheça mais a si mesmo e seja capaz de lidar com seus problemas, numa perspectiva humanista entendemos que o ato de dar conselhos pouco contribui para este processo. Ao dizer ao cliente o que ele deve fazer, psicólogo pode contribuir para que o cliente continue dependendo de opiniões externas em vez de se tornar seu próprio referencial. 

A essa altura do texto você deve estar se perguntando: o que faz um psicólogo clínico, afinal? Se não damos conselhos, o que fazemos para promover mudanças em nossos clientes?

Como já disse há pouco, nós utilizamos teorias e técnicas psicológicas cientificamente reconhecidas. Mas existem diversas delas, portanto, a forma como o terapeuta trabalha para promover mudanças em seu cliente, ou seja,  as técnicas, variam de acordo com a abordagem utilizada por ele. Mas isso é assunto para um próximo post…

Vejo muitos casos em que a pessoa desenvolve tamanha dependência pelo terapeuta, que necessita telefonar para contar algo que aconteceu durante a semana, fora do horário da sessão.

É preciso que o psicólogo analise sua atuação para identificar se sua postura tem incentivado a autonomia ou a dependência do cliente. Como nos lembra Rogers (1977), o psicólogo deve ser capaz de participar do processo de transformar a vida de uma pessoa sem tentar moldá-la à sua própria imagem.  Para ele, não deveríamos exercer a profissão pelo status, pela oportunidade de parecer alguém importante, sábio ou superior, capaz de “consertar a vida das pessoas” ou “tirar-lhes o sofrimento”. 

Obviamente o exercício da profissão traz satisfações para o terapeuta que vê seu cliente se transformar e tornar-se mais autêntico ao longo do processo. No entanto, sempre devemos nos lembrar que a satisfação que experimentamos quando nos sentimos importantes “deve ser subordinada ao desejo de perder esta importância à medida que o cliente descobre a satisfação de ser autônomo” (Rogers, 1977, p.). E, para mim, não há nada mais bonito do que poder acompanhar de perto o processo de uma pessoa tornar-se ela mesma. 

Referência

Rogers, C. R. (1977) O Terapeuta. In Rogers, C. R. e Kinget (1977). Psicoterapia e relações humanas. Teoria e prática da terapia não diretiva. Belo Horizonte: Interlivros.

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