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Renan Sargiani

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Você realmente sabe do que está falando?

Postado em 17 de março, 2015

desenho de cabeça falando

Quando foi que todo brasileiro virou cientista político? Quando foi que a opinião superficial virou o argumento inabalável, o fato concreto que impede a discussão? A máxima é que contra fatos não há argumentos, porém quem é que realmente conhece os fatos? Na era da internet todo mundo tem uma opinião e a falsa ilusão da necessidade de expressá-la. O problema que se impõe, portanto, são as consequências dessas opiniões no mundo real e no mundo virtual.

Há mais de uma década Leonid Rozenblit e Frank Keil (2002) da Universidade de Yale demonstraram o que se conhece em Psicologia como “a ilusão de profundidade explicativa”. Esse nome difícil revela uma coisa muito simples de explicar: as pessoas pensam que sabem mais sobre as coisas do que realmente sabem. De modo geral, nós temos apenas uma compreensão superficial sobre a maioria das coisas mais comuns do nosso cotidiano, porém nós temos a ilusão de uma compreensão profunda e detalhada. Todo mundo acha que sabe como funcionam um velocímetro de carro, um vaso sanitário, uma televisão ou o que quer que seja comum em nosso cotidiano. Porém, o quão bem nós realmente sabemos como essas coisas funcionam? O conhecimento da superficialidade não é o conhecimento da estrutura!

Obviamente nós não precisamos do conhecimento em profundidade para usar muitas dessas coisas, porém temos a “necessidade” da ilusão de que conhecemos em profundidade. Nós confundimos nossa familiaridade com as coisas com a crença de que conhecemos como elas funcionam. Normalmente ninguém nos testa sobre esses conhecimentos e por isso não nos damos contas de nossos limites. Ninguém nos testa, exceto por algumas crianças que fazem tantas “perguntas de porquê” que acabam colocando seus pais em maus lençóis, ao ponto de criarem algumas “mentiras explicativas”. Na ausência de uma compreensão adequada sobre os fatos, a mente voa e as opiniões fantasiosas se proliferam. Uma mentira contada repetidas vezes torna-se uma “falsa verdade”.

A realidade é que o cérebro precisa da ilusão de que tudo funciona perfeitamente, a ilusão de que todas as coisas estão completas quando na realidade não estão. O recente caso do vestido que “mudava de cores”, mostra muito bem como o cérebro pode criar falsas realidades ou diferentes opiniões. Mesmo com poucas informações o cérebro tende a preencher as lacunas e criar atalhos para evitar processar a mesma informação repetidas vezes. Quando estamos aprendendo a dirigir, por exemplo, é preciso pensar em cada passo a ser feito, porém com prática ninguém mais fica pensando, fazemos as coisas de forma automática. O mesmo funciona com os discursos, uma vez que pensamos entender algo nós repetimos à exaustão. Novamente, ainda que essa repetição seja de um fato que não temos certeza ou de que nem se trate da realidade.

Os psicólogos chamam essa tendência de criar atalhos mentais quando tomamos decisões ou fazemos avaliações de “hipótese da avareza cognitiva”, ou seja do mínimo esforço cognitivo necessário. Seria muito complicado lidar com a profundidade dos assuntos em todas as coisas do nosso cotidiano. Krueger e Funder (2004) definem a hipótese da avareza cognitiva como sendo o uso de recursos mentais limitados, dependência de estímulos irrelevantes, e as dificuldades de realizar esforços de correção. Em síntese, nos nós deixamos levar mais pela superficialidade do que pela realidade. Nesse sentido, como os autores alertam os fatos irrelevantes passam a ser justamente os principais a serem utilizados para sustentar os discursos vazios.

Assim, o que vemos atualmente nas redes sociais e mesmo nos noticiários são uma profusão de argumentos frágeis, contraditórios e superficiais, muitos deles endossados por personalidades de diferentes áreas que mal sabem do que estão falando. Cujas opiniões pouco diferem das minhas ou das suas. Aliás, a retórica Aristotélica já utilizava o argumento de autoridade como forma de convencer o leitor. De acordo com Reboul (2004, p. 177) “o argumento de autoridade justifica uma afirmação baseando-se no valor de seu autor: Aristóteles dixit, Aristóteles disse”. De tal forma, que mesmo meu texto agora se baseia em argumentos de autoridade e eu os uso para tentar te convencer de meu ponto de vista. Se você analisar meus argumentos verá que se baseiam no fato de eu ser um cientista psicológico e me basear em argumentos de estudos científicos, citando inclusive um estudo da Universidade de Yale que tem por si um certo peso social.

Desse modo, mais cuidado com os que você compartilha nas redes sociais, mais cuidado com o que você pensa que sabe, “talvez” sua compreensão sobre os fatos seja apenas superficial. Aliás, também é bom refletir sobre qual o peso de quem é que está falando. Pouco importa se alguém famoso expressa sua opinião, não necessariamente é uma opinião adequada, o papel imprime qualquer coisa, a internet também aceita qualquer coisa. Não se julga um discurso apenas pela força de seu autor.

Para concluir, gostaria de chamar à atenção ao discurso superficial recorrente de que uma mídia ou outra imprime uma forma específica de pensar. Esse argumento é um tanto tolo, frágil e pueril. É óbvio que cada mídia tem uma forma de pensar e de expressar suas opiniões, tal qual cada um tem a sua forma de se expressar e suas próprias crenças. No entanto, a única forma verdadeira de manipular alguém é deixando as pessoas na ignorância, sem estudos, sem conhecimento, isso sim faz com que fiquem vulneráveis aos ventos de qualquer direção. Por fim, democracia não significa apenas ter que lidar com a vontade da maioria, mas também lidar com as opiniões contrárias as opiniões da maioria.

Referências:

Reboul, O. (2004). Introdução à retórica. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes

Krueger, J., and Funder, D. C. (2004). Towards a balanced social psychology: Causes, consequences and cures for the problem-seeking approach to social cognition and behavior. Behavioral and Brain Sciences, 27, 313–76.

Rozenblit, L., & Keil, F. (2002). The misunderstood limits of folk science: an illusion of explanatory depth. Cognitive Science, 26(5), 521–562. doi:10.1207/s15516709cog2605_1

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